Crítica: Não Olhe Para Cima

A consciência de Júlio
3 min readDec 29, 2021

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Não Olhe Para Cima (Netflix), de Adam McKay e com um super elenco (Meryl Streep, Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence e outros) traz uma sátira de um problema cada vez mais sério: o negacionismo em comunhão com a política em tempos de capitalismo tecnológico.

O primeiro aspecto (negacionismo) guia a abordagem principal do filme: dois cientistas tentam convencer os EUA de que um meteoro está a caminho da Terra e tem potencial de destruí-la. Entretanto, por de trás da descoberta se vincula um conjunto de dados e fórmulas matemáticas que dificilmente são compreendidos pela maioria dos leigos. Como acreditar no que não posso ver com meus próprios olhos?

Mas essa não é a maior barreira a ser enfrentada pela dupla de cientistas. Toda a sociedade dos EUA está mergulhada em um cenário de entretenimento, mídia social e banalização que sustenta políticos amorais e grandes empresas de tecnologia. Aqui, o segundo aspecto surge para completar o primeiro. O poder não está mais nas mãos do eleitor (cidadão) e sim nas mãos das grandes corporações, cujo lobby compra políticos, compra prêmio Nobel, e define e monitora a vida dos cidadãos, lhes fornecendo amplo ambiente de alienação. Capitalismo e liberalismo com pleno vigor.

O desafio é de fato praticamente impossível. Ninguém quer falar a verdade, e ninguém quer ouvir a verdade. É interessante que a verdade esteja nas mãos de uma mulher e a estrutura técnica para lidar com a verdade seja da responsabilidade de um negro. Já era o prenúncio do fracasso em uma sociedade machista e preconceituosa.

Há muitas aspectos correlacionados como o típico americano pró armas, boca suja e violento. O adolescente rebelde sem causa. A classe média ansiosa por sua fatia do bolo da riqueza. A mídia desprovida de senso crítico e orientada às curtida das redes sociais e não ao valor da informação.

São os EUA pró Tramp. E é um reflexo, ainda que turvo, do Brasil de Bolsonaro. Se a metáfora do filme mira o desastre climático, nós no Brasil temos a pandemia como uma possível releitura do filme.

Entretanto, Não Olhe Para Cima ainda é um produto do entretenimento dos EUA e, neste sentido, deixa de envolver o telespectador em um roteiro que poderia aproveitar melhor o elenco e a crítica. Deixe de construir algo memorável diante do histórico dos envolvidos e da importância do tema.

Jennifer Lawrence, apesar de protagonista, se vê apagada para que a história de queda e redenção do já muito comum personagem masculino caucasiano (aqui com DiCaprio) se sobressaia. E, mesmo neste caso, o desenvolvimento do humor do filme apaga um pouco das características fortes de cada um dos personagens. O que dirá do negro mero acompanhante? O que sabemos dele?

Se precisávamos provocar, questionar e incomodar, era necessário trazer a representatividade contra os esteriótipos consolidados no cinema dos EUA. Lívia nos lembra bem que neste tipo de crítica é importante quebrar esteriótipos e ser cuidadoso para não reforçar outros. Para não ter dúvida que existe quem o faça basta buscar pelo filme Sorry to Bother You (de Boots Riley) ou da série Atlanta (de Donald Glover).

O roteiro do filme também apresenta problemas, haja visto que em certos momentos funciona como uma colcha de retalhamos unindo várias esquetes de paródia, como um longa metragem do tradicional humor estadunidense de programas como Saturday Night Live.

Todos merecem ver este filme. Entretanto, não podemos considerar que ele seja capaz de criar na mente das pessoas uma reflexão capaz de promover mudanças. Quem mais gostou, provavelmente já mudou a sua percepção. (antes de ver o filme) acerca da realidade na qual somos prisioneiros da ignorância, banalidade e imoralidade político/econômica.

A dica é: Não Olhe Para Cima é apenas a ponta do Iceberg. Continue em busca do resto.

Nota 7 (por causa da crítica) e 5 (enquanto um filme).

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Pensamentos e rascunhos de nerd de esquerda.

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